Gotas de água

Ouvi gotas de água caindo. Uma, duas três. Mas que porcaria, não se pode mais nem ler escondida no banheiro?
Olhei em volta, procurando o lugar causador do som desconfortável. O cômodo era pequeno, quer dizer, grande para um banheiro, mas ainda pequeno. Eu pareço ter um dom para detestar ruídos irritantes, principalmente gotas de água sozinhas, em meio ao meu silêncio.
Estiquei a mão para reforçar a fechadura do chuveiro, ansiosa para o som findar. Sem sucesso. Ótimo, leitura estragada.
Fechei o livro e coloquei-o dentro da pia, já preenchida por uma toalha branca com cheiro de alvejante, inutilizada, é claro. Me levantei disposta a findar o barulho e prosseguir com minha leitura. Podia ouvir gritos dos meus pais, do meu irmão, de quem quer que estivesse na casa, mas eles pareciam muito longe. As pessoas costumam construir refúgios ou encontra-los em lugares poucos óbvios, mas não no banheiro. Eu sou uma exceção, é claro.
Examinei o chuveiro, a pia, o cano da pia, o chuveirinho, o cano do mesmo, até a caixa do aparelho sanitário. Sem nada. E o som estava cada vez mais irritante, persistindo. Talvez fosse loucura minha, não estranharia se fosse.
Minha mãe bate à porta do quarto, perguntando se há algo de errado comigo. Finjo não escutar e continuo na busca pela origem das gotas de água. Não vem de nenhum lugar, mas então, o que estou escutando, afinal?
Volto minha atenção à pia. O livro, que não é bem um livro, está intacto por fora. Quando o abro, uma corrente de água jorra em mim, mas passa através de mim. Fecho o livro analisando-o, sabendo que nunca comprara ou ganhara um daqueles, com a capa vermelha, tão confortável e ao mesmo tempo estranha de sentir ao toque. Eu já vira um, só não me lembrava onde...
No sonho. É claro, eu sonhara com um daqueles. Apenas ao reparar nesse fato, me pergunto como fui parar ali. Pisquei três vezes enquanto agarrava o livro, tentando deixá-lo comigo. Tarde demais, porque já estava agarrando meu celular e um lençol branco com o cheiro de água sanitária pura.
Outro sonho, que beleza.